16 fevereiro 2012

Fidel

A primeira parte descrita no texto, até ao momento em que foi abandonado e rejeitado pelos seus primeiros donos, é apenas imaginação da autora deste blogue. Tudo foi real a partir da segunda parte. Hoje embora muito velho, cego e surdo, é a alegria da casa, sendo um exemplo para nós humanos. Nunca se queixa, mesmo sentindo dores próprias da idade e fruto dos maus tratos durante anos.

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Primeira parte

Era bem pequenino, quando fui adoptado por uma família, que me achou lindo, mas sem que eu saiba porquê, logo se fartaram de mim.

Era jovem e belo, quando um dia, e pela primeira vez, os meus donos convidaram-me a dar um passei de carro com eles. Fiquei tão feliz. Pensei: eles gostam de mim. A meio da viagem, convidaram-me a sair do carro. Pensei que iríamos todos dar um passeio no campo. Corri logo para uma árvore e fazer o meu xixi. Estava tão feliz…

Ocupado com as minhas necessidades fisiológicas, não me apercebi que os meus donos tinham ido embora.

Pela primeira vez na vida senti a solidão e o medo. Deixaram-me ficar num local completamente desconhecido para mim. Ter-se-iam esquecido de mim? Como era possível? Não podia acreditar que me tinham abandonado.

Eu amava-os incondicionalmente. Tudo fiz para que gostassem de mim como eu deles… não queria acreditar que tal me estivesse a acontecer.

Em pânico, tentei encontrar o caminho de regresso à casa onde cresci mas tudo em vão. Andei perdido muito tempo, completamente desorientado e sem saber como voltar para junto dos meus donos. Em todo o lado era confrontado com toda a espécie de perigos.

Convenci-me, ao fim de muito tempo, que os meus donos já não gostavam de mim, como quando era bebé.

Passei então a vaguear pelas ruas, comendo sobras que encontrava nos caixote do lixo. O pior era a sede. Dificilmente encontrava água para saciar a sede. Por vezes, sentia que ia desmaiar.

Segunda parte


Desorientado, vaguei pelas ruas, até que sem saber como, vim parar perto do local onde moro agora. Foi aqui que um humano caridoso se preocupou comigo a passou a alimentar-me com ração nunca esquecendo de me dar água. Também me deu um nome, passei a chamar-me Tobias.

A minha vida mudou. Embora não tivesse uma casa, percebi que alguém gostava de mim. Conheci o sofrimento e abandono, por isso sentia-me profundamente grato, e amei este humano, como só um cão sabe amar.



Durante anos dormi neste espaço. Durante anos partilhei todos os momentos bons e maus com a minha “dona?” e família. Durante anos, mesmo sem o mínimo conforto, fui feliz aqui.

Não me deram um lar, mas deram-me alimento. Pelo facto o meu muito obrigado.

Vivi anos neste local, ao frio, ao sol, à chuva e ao vento. Comecei então a sentir-me velho, cansado e doente. Percebi também, que muita gente tinha pena de mim, chamavam-me mas tudo em vão. Eu não ia, sabia que a minha “dona?" não gostava, nem permitia que alguém me oferecesse uma cama confortável.
Alguns humanos tentavam agarrar-me e tirarem-me daquele local, mas eu defendia-me mordendo os mais teimosos. Jamais abandonaria quem me alimentava e permitia que eu ficasse naquele espaço.

Comigo, vivia outro cão. Era um caniche dourado. Éramos amigos e tal como eu vivia na rua durante o dia, mas à noite chamavam-no para dentro de casa. Não compreendia, porquê que o meu companheiro podia entrar em casa e eu tinha que ficar na rua a sofrer com o frio, vento e chuva.

Quando chovia, subia para um banco que aqui se encontrava. Doía-me o corpo por causa do frio e humidade do chão. Passei noites sem dormir, por não encontrar o mínimo de conforto para poder descansar.

Que bem me sentia quando o sol voltava a brilhar. O meu corpo secava e finalmente deixava de tremer.




Embora sofrendo, não me importava, pois o sofrimento mantinha-me alerta para poder guardar a casa da minha “dona?". Podia também sentir a sua presença e isso bastava para me sentir feliz. Depois do abandono por parte dos meus primeiros donos, de andar perdido com fome e sede, foi aqui que senti que talvez seria amado e foi aqui que procurei compensar o bem que me faziam, retribuindo com todo o meu amor e fidelidade.

Sem me aperceber, e talvez devido ao frio e chuva, transformei-me num velho muito rabugento. Doíam-me as patas, os ouvidos e a bexiga, não conseguia fazer xixi. Tinha dores horrorosas. Por me sentir tão mal, tornei-me agressivo e antipático.

Algumas pessoas compadecidas com o meu estado, chamavam-me para me dar alimentos mais tenros, ao verem que eu tinha dificuldade em comer a ração, mas eu não ia, pois estaria a trair a pessoa que tão gentilmente permitiu que eu partilhasse a minha vida com ela. Durante a noite, levavam-me cobertores para que eu não sentisse tanto frio, mas a minha “dona?" não queria e deitava tudo fora. Quando me chamavam para junto deles, para cuidarem de mim eu recusava-me, sendo sempre agressivo. Não podia abandonar quem me socorreu e alimentou quando eu vagueava pelas ruas.





Terceira parte


Na esperança de conseguir dar-me um verdadeiro lar, alguém muito teimoso e que nunca desistiu de mim, alertou as autoridades sobre o meu estado.

As autoridades falaram com a minha “dona?". Na altura encontrava-me infestado de carraças e muito doente, ela disse-lhes que eu não lhe pertencia. Não me levaram para o canil, porque não conseguiram apanhar-me, onde seria suposto, alguém que agora venero, ir buscar-me e adoptar.

Desde aí e sem que eu soubesse porquê, passei a ser espancado sempre que procurava refúgio no local que durante anos me fora reservado e que sempre ocupei. Durante o dia, e à distancia olhava para aquele lugar sem perceber porque estava uma vez mais a ser rejeitado. Só podia voltar durante a noite, sem ser visto pela minha “dona?". Percebi então que ela não gostou que as autoridades me viessem ver. Também me retirou a ração e a água que gentilmente me deu durante anos.

Estava em pânico. Não confiava na pessoa (a minha actual dona) que tudo fazia para ganhar a minha confiança. Mordia-lhe e fugia para o local que a minha ex“dona?", me reservara. Ao procurar refúgio no espaço que eu considerava meu, era espancado, por ela.

Fiquei triste e desorientado, pois apesar de nunca me ter acarinhado nem dado o mínimo conforto, sempre lhe fui fiel, amava-a sem condições nem limites. Em troca apenas queria sentir a sua presença e estar naquele cantinho que eu já considerava meu.

Não entendia nada do que se estava a passar. Porquê??? Porquê que a minha “dona?" deixou de me alimentar? Porque me deixava sem água? Porque me batia quando ocupava o meu espaço?

Passei também a ser agredido por um grupo de humanos com muitas crianças, que se instalou junto do meu território. Uma sala de estudos para crianças. Os responsáveis batiam-me porque eu cheirava mal. Sei que por varias vezes chamaram a policia, mas nunca conseguiram apanhar-me. O pior dos criminosos não tem tantas queixas na policia como eu tinha.

Quarta parte


Não percebia que afinal não estava sozinho, e a tristeza tomou conta de mim. A minha actual dona, estava atenta ao desfecho desta história, e pacientemente usou de todas as técnicas para me conquistar. Depois de alguns dias convenceu-me que seria bem tratado, e embora desconfiado, passei a aceitar o alimento e água que me dava.

Hoje arrependo-me de ter sido tão agressivo para com ela. Felizmente nunca desistiu de mim.

Finalmente, numa noite fria de Fevereiro, completamente encharcado por causa da chuva, cheio de frio, com dores horríveis no corpo todo, encontrei coragem e dirigi-me ao local onde moro agora, na esperança de encontrar um pouco de calor, de matar a fome e sede, pois não comia há algum tempo.

Fui acolhido e tratado com tanto carinho que me senti no céu. Pela primeira vez e embora sujo e cheio de parasitas, depois de muitos anos na rua, nessa noite dormi numa cama fofinha e limpinha. Logo pela manhã, aceitei tomar um banho. Confesso que apesar de ser tão bem tratado fui um ingrato, pois continuava desconfiado e não permitia carinhos e outro tipo de atenções que até então desconhecia.


Fidel 

Desde que me retiraram da minha mãe, que não me sentia tão bem. Depois de muitos anos a dormir na rua, sujeito à chuva, frio, vento e outros perigos posso dizer que me senti no céu.

Aqui fiquei durante dois dias. Sentia-me bem, mas não permitia que me tocassem.

Mais tarde, percebi que a minha ex “dona?" tinha voltado. Foi então que fugi para junto dela. Estava feliz pelo seu regresso. Corri a dar-lhe as boas vindas. Em vez dela retribuir a minha demonstração de afecto, fui espancado e corrido daquele local.

Quinta parte


Triste e a chorar voltei para o meu novo lar.



Fidel

Chorei como há muito tempo não o fazia. Não me conformava.



A minha nova dona acarinhou-me e procurou secar-me as lágrimas, sem antes tirar uma foto do meu triste rosto.

Mais uma vez, fui recebido com muito amor. Fui ao veterinário, onde fui tratado de uma grande infecção nos ouvidos e foi diagnosticado problemas na próstata. Mais tarde, fui operado. Tenho também problemas cardíacos e estou cego. Não me importo com esse facto, pois sou feliz. Finalmente encontrei a paz e felicidade que durante anos ansiei.

ESTOU VERDADEIRAMENTE FELIZ

Esta é a história da minha vida.

Quero no entanto, agradecer à minha ex “dona?" pela ração, a água e o espaço que permitiu que eu ocupasse. Jamais esquecerei.

Agradeço também a todos que apoiaram a minha dona no difícil processo de adopção.





O meu muito obrigado à minha madrinha Cecília por ter suportado todas as despesas do Veterinário.


À minha querida dona ficarei eternamente grato por nunca ter desistido de mim. Obrigada pela cama quentinha, refeições a horas, banho, tosquias e todos o amor que ela me dá.



Em homenagem à fidelidade que durante anos dediquei, à minha ex “dona?" deram-me o nome de Fidel. Por tudo quanto ela me deu, uma vez mais, expresso aqui a minha gratidão.

Pelos motivos que descrevi, muitas vezes, fui mau para muita gente. Humildemente peço perdão.

Apenas entendam que: assim como vós, faço parte de todos os seres vivos que habitam o planeta Terra. Assim como vós, mereço ser respeitado e estimado.

Tive muita sorte, depois de muito sofrimento, fui acolhido tratado e amado. Hoje sou um cão muito feliz. Voltei a ser o cão meiguinho que foi retirado da sua mãe. A minha dona diz que sou um grande chato, pois peço festas a toda a gente.

Por favor, nunca me peguem ao colo, alem de ter muitas dores, pois sofro de reumatismo, nunca me livrei  dos traumas, causados pelos maus tratos, fico muito tenso e nervoso.

Provavelmente não me resta muito tempo de vida, por isso quero deixar aqui um apelo:

antes de infligirem maus-tratos a um animal, lembrem-se que é apenas mais uma vítima da incompreensão e ignorância dos humanos. Deem-lhes uma oportunidade e verão que não se arrependerão.

Infelizmente neste momento, muitos como eu estão a sofrer por causa da crueldade e ignorância dos humanos.






Obrigada querida dona

4 comentários:

  1. Meu Querido Fidel
    Que desperdício… como são pobres e insensíveis … como são dignas de pena, todas as pessoas que passaram pela tua vida e não conseguiram ver … sentir… a grandiosidade do teu AMOR … da tua FIDELIDADE !
    Que infelizes são, por não terem sabido receber de braços abertos todo o afecto …esse sentimento tão nobre , que tu davas sem pedires nada em troca… Bastava parar e olhar no fundo dos teus olhos… para nos deslumbrarmos com tanta doçura, mas e em vez disso te escorraçaram e maltrataram.
    Bem haja à pessoa com um coração enorme que te deu o colo… que te tratou das mazelas …que cuidou de ti… que te compreendeu…que te acolheu …que aceitou e retribuiu o amor que tinhas para dar.
    Finalmente nos anos que te restam, encontraste um lar com paz e alegria para viver. Além de teres uma “mãe”, tens também tantos “manos” e amigos que te adoram.
    Tu és um HEROI, um SOBREVIVENTE, com um carácter tão nobre.
    Terei de me curvar perante ti meu pequenino e grande cão… meu amigo!
    Mil abraços de mais uma pessoa que te ama e te admira.
    fernanda

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  2. Uma história muito triste que no fim acaba bem. Infelizmente a maioria acaba mal. Esperemos que haja cada vez mais histórias com final feliz. Ou melhor ainda, cada vez menos histórias destas...

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    1. Isso mesmo Daniel. O Fidel vive hoje comigo. Está muito velho, quase cego mas o seu estado é de felicidade plena. Não se cansa de dizer obrigado.

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    2. Os cães são maravilhosos. Parabéns pela adopção.

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