13 novembro 2011

Ética Animal parte 2


 

Na segunda parte da discussão sobre a ética animal, uma abordagem sobre a questão dos direitos animais a partir dos conceitos de pensadores como Tom Regan e Gary Francione


Por Leon Denis Moreira Filho *
Mahatma Gandhi - Nascido no dia 2 de outubro de 1869 em Porgandar, na Índia, Mohandas Karamchand Gandhi, o Mahatma (“Grande Alma”, em sânscrito) Gandhi foi um advogado, pensador, líder popular e pacifista. Praticou a chamada “desobediência civil” como forma de protesto contra a opressão dos colonizadores britânicos. Gandhi liderou as marchas e movimentos pela independência indiana e, apesar de ter sido indicado duas vezes ao Prêmio Nobel da Paz, não foi laureado. Gandhi foi assassinado em Nova Déli no dia 30 de janeiro de 1948.
No final do século 19, temos a publicação da primeira obra a trazer no próprio título a expressão direitos animais, Animal Rights: Considered in Relation to Social Progress[Direitos animais: considerados em relação ao progresso social]. O autor, Henry Salt, foi amigo e introdutor de a Mahatma Gandhi na defesa ética dos animais não humanos. Porém, é na segunda metade do século 20, por intermédio do Grupo de Oxford, que a defesa da introdução dos outros animais no círculo moral humano tomará volume. a Tom Regan – aclamado desde a publicação de sua obra The Case for Animal Rights, em 1983, como o principal pensador dos direitos animais, atribui à leitura da autobiografia de Gandhi o seu grande despertar para a necessidade de repensar nossa relação com as outras espécies.
Regan constrói sua ética animal fundamentando- se na categoria dos direitos, fazendo fortemente uso do recurso à analogia e buscando nos Direitos Humanos seu apoio. Dois conceitos são fundamentais para entendermos o alcance e os limites da ética reganiana: valor inerente e sujeitos-de-uma-vida.
O pensador americano atribui igual “valor inerente” a agentes e pacientes morais pelo simples fato de que ambos são sujeitos-de-uma-vida. Nos seus próprios termos, “...indivíduos são sujeitos-de-uma-vida se possuírem crenças e desejos; percepção, memória, e um senso de futuro, incluindo seu próprio futuro; vida emocional marcada por sentimentos de prazer e dor; preferências e interesses de bem-estar; habilidade de iniciar ações para a obtenção de seus desejos e metas; identidade psicológica ao longo do tempo, e bem-estar individual no sentido de que as experiências vividas conduzem a melhorar ou a piorar sua qualidade de vida, independente de sua utilidade para os outros [...]” (REGAN, 1983, p. 243).
Para Regan, ser sujeito-de-uma-vida é condição suficiente para se ter “valor inerente”. Na obra já citada, Regan diz que “este critério é introduzido depois de termos indicado as razões pelas quais agentes e pacientes morais possuem igual valor inerente, não antes; isto é, seu papel não é o de “derivar” o igual valor inerente dos agentes ou pacientes morais; pelo contrário, o papel do conceito de sujeito-de-uma- -vida consiste em especificar uma similaridade relevante entre todos os indivíduos que, por força do argumento, devem ser vistos como tendo igual valor inerente, uma vez que postulamos isso para o caso de todos os agentes morais, uma similaridade que faz com que a atribuição de valor inerente seja outorgada de maneira inteligível e não arbitrária” (REGAN, 1983, p. 247-248).
Tom Regan Filósofo especializado em direitos dos animais, Tom Regan é natural de Pittsburg, EUA. Professor emérito na Universidade da Carolina do Norte, Regan lecionou regularmente entre 1967 e 2001. Escreveu livros como Jaulas Vazias e organizou, com Peter Singer , o volume Animal Rights and Human Obligations
Buscando fundamentar seu raciocínio nos Direitos Humanos, em todo seu percurso intelectual como defensor da causa animal, Regan não empreende apenas a inclusão dos animais não humanos no círculo moral humano, mas a própria fundamentação dos Direitos Humanos, via quebra do paradigma especista nas relações entre animais humanos e não humanos.
Sabemos que os Direitos Humanos independem de quaisquer desempenhos individuais. Para humanos, por exemplo, aos que sofrem lesões neurológicas que os impossibilitam de realizar as mais simples tarefas psicofísicas, lhe são assegurados direitos morais básicos, para protegê-los do abandono, maus-tratos, abusos e não menos, da dor e do sofrimento. Para entrelaçar os direitos animais com os Direitos Humanos, Regan recorre aos casos dos humanos não paradigmáticos. Os não paradigmáticos são aqueles não detentores do que é paradigmático no ser humano, como a racionalidade. Se aos humanos não paradigmáticos, bebês, crianças e idosos senis, são assegurados direitos morais básicos a partir do reconhecimento do seu valor inerente, não há justificativa moral para excluir alguns animais não humanos nas mesmas condições.
Afastando-se dos utilitaristas (em especial Peter Singer) e dos contratualistas contemporâneos (em especial a John Rawls e a Jan Narveson), Regan não defende a necessidade do sujeito de ter interesses, como quer o utilitarismo preferencial de Singer, para que possa inserir-se na comunidade moral humana. Pois, para ter interesses contrariados é necessário estar em condições de realizar algo e simultaneamente ser impedido de fazê-lo por força alheia. No entanto, antes mesmo de desenvolver as capacidades que o habilitam a ser sujeito de interesses, o mesmo deve ser amparado pelos Diretos Humanos, sob o perigo de não alcançar os meios para efetivar-se como um ser humano feliz.
TRECHOS DO LIVRO DE TOM REGAN
“Começamos por questionar como o estatuto moral dos animais tem sido compreendido por pensadores que negam que animais tenham direitos. Então testaremos a força de suas ideias observando quanto elas resistem ao fogo da crítica justa. Se começamos a pensar deste modo, logo veremos que algumas pessoas creem que não temos deveres diretos para com os animais, que nada devemos a eles, que nada do que fazemos em relação a eles lhes causa mal. Mais precisamente, podemos fazer coisas erradas envolvendo animais, então temos deveres relacionados com eles, mas não para com eles. Essa perspectiva pode ser chamada de perspectiva dos deveres indiretos. Para ilustrar: Suponha que seu vizinho chuta um cão seu. Seu vizinho então fez algo errado. Mas não ao seu cão. O mal feito foi a você. No fim das contas, é errado aborrecer pessoas, e o vizinho chutando seu cão aborrece você. Então, você é quem sofreu o erro, não o seu cão.
Ou de outro modo: ao chutar seu cão, seu vizinho causou danos à sua propriedade. E dado que é errado danificar a propriedade alheia, seu vizinho fez algo errado – a você, é claro, não ao seu cão. Seu vizinho não causa dano a seu cão mais do que causaria a seu carro se estilhaçasse seu para-brisa. Os deveres de seu vizinho para com o seu cão são deveres indiretos para com você. De modo mais amplo, todos os nossos deveres em relação aos animais são deveres indiretos a um outro – à humanidade. (...) Aqui está, muito cruamente, sua ideiarraiz: a moralidade consiste num sistema de regras que os indivíduos voluntariamente aceitam obedecer, como fazemos quando assinamos um contrato (daí o nome contratualismo).
Aqueles que entendem e aceitam os termos do contrato estão diretamente cobertos; eles têm direitos criados, reconhecidos e protegidos pelo contrato. E esses contratantes podem ainda ter direitos assegurados para outros que, embora não tenham a capacidade de compreender a moralidade e assim não são capazes eles mesmos de assinar contratos, são amados ou cuidados por aqueles que podem. Assim, crianças, por exemplo, não são capazes de assinar contratos e ter direitos. Mas elas são protegidas mesmo assim pelo contrato por causa do interesse sentimental de outros, mais claramente de seus pais. Desse modo, temos então deveres em relação a essas crianças, deveres em consideração a elas, mas não deveres para com elas. Nossos deveres em seu caso são deveres indiretos a outros seres humanos, normalmente seus pais. O mesmo vale para os animais”. (REGAN, 1991. p. 79)

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